LogoAgenda Cultural Cabo Verde
    ok
    ok
    ok

    Ben do Rosário e a arte de colher sorrisos

    8 de maio de 2025

    Ben do Rosário é conhecido como "o fotógrafo dos sorrisos". Tem uma paixão pela fotografia que já dura mais de 50 anos. Veio a Cabo Verde propositadamente para a semana do Atlantic Music Expo (AME) e do Kriol Jazz Festival, que decorreu de 7 a 12 de abril, na cidade da Praia. Foi uma semana intensa, em que a cidade se encheu de músicos, produtores e profissionais da indústria musical de todas as ilhas e também de muitos países estrangeiros. Showcases, conferências, workshops - tudo girava à volta do mercado da música. O Plateau, centro onde tudo acontecia, tornou-se um espaço cosmopolita, perfeito para os projetos de Ben do Rosário, baseados em palcos musicais e pessoas alegres.


    Ben move-se entre as pessoas com um olhar atento. Repara nos detalhes, capta gestos, espera o instante certo. A sua abordagem é sempre gentil: aproxima-se e pede, com o mesmo cuidado com que se pede uma flor rara, aquele sorriso que viu surgir momentos antes.


    Durante o showcase de uma jovem artista cabo-verdiana no Palácio da Cultura Ildo Lobo, no Plateau, lá estava Ben a fotografar os músicos em palco. No intervalo entre atuações, enquanto um grupo de jornalistas e profissionais da comunicação social conversava, Ben aproximou-se de uma jornalista cabo-verdiana. Pediu-lhe autorização para fotografar o seu belo sorriso. Ela estranhou o pedido. Com delicadeza, Ben tirou o telemóvel do bolso, abriu o Instagram e mostrou os seus trabalhos e os objetivos do seu projeto fotográfico. A jornalista, um pouco tímida, acabou por sorrir. Ben fez o clique. Depois mostrou-lhe a fotografia captada na sua câmara. Ela gostou. Sorriu de verdade. Aquele sorriso que nasce da alma. Ben, com brilho nos olhos, disse: "É este sorriso e essa beleza que eu quero!" Repetiram a cena, agora com mais cumplicidade. A jornalista autorizou a publicação da imagem online.


    É assim que Ben do Rosário vai vivendo, feliz por trabalhar na sua grande paixão - a fotografia.


    Fui conversar com ele. Já conhecia o seu trabalho pelas redes sociais. Já o tinha visto, de longe, a fotografar no Carnaval do Mindelo em 2025. Aliás, observando os seus trabalhos vi que partilhamos pontos semelhantes no nosso foco: os artistas, as pessoas e a cultura.

     

    Feira de Somada, mergulho na cultura cabo-verdiana
    Dessa conversa nasceu o convite para uma visita ao interior da ilha de Santiago, mais precisamente à cidade de Assomada. Combinámos para um sábado que coincidia com a famosa Feira de Somada, que atrai gente de todo o interior de Santiago. Na feira, Ben do Rosário ficou deslumbrado com as cores, os cheiros, os trajes tradicionais das mulheres rurais, os produtos locais e, claro, as pessoas. Um mergulho profundo na cultura cabo-verdiana. Cada sorriso era um clique. Cada expressão, uma história.


    Chamou-me a atenção o momento em que Ben do Rosário conversava com um grupo de quatro mulheres feirantes, que separavam feijão verde (“baxinha”, como se diz em Santiago). Ele, entusiasmado, quis fotografá-las. Pediu autorização, mas elas, mais conservadoras, hesitaram. Ben explicou que veio de Portugal, que adorava fotografar pessoas, e mostrou o seu Instagram. A mais idosa, quando lhe foi pedido um sorriso, respondeu: “Não posso, sou viúva. Viúva não pode estar nessas coisas.” Ben respeitou. Mas as outras acabaram por aceitar ser fotografadas. Quando a viúva viu as imagens das companheiras, acabou por ceder. Ben fez uns quatro ou cinco cliques e mostrou-lhe as fotos. Ao ver-se na imagem, com um largo sorriso, disse: “Quero esta foto para colocar num quadro e pôr na estante da minha sala.” A alegria do Ben era visivelmente maior do que a dela. É por momentos assim que vive a sua paixão pelos sorrisos.


    Depois da feira, fomos à ribeira de Boa Entrada, a cerca de 1,5 km do centro da cidade, onde está o “Pé di Polon”, para o Ben do Rosário conhecer a centenária e a maior e mais antiga árvore de Cabo Verde. No regresso à cidade da Praia, por volta das 14h30, fizemos uma paragem obrigatória em São Lourenço dos Órgãos, no Espaço Padjudo, um ponto turístico-gastronómico. Lá, as especialidades são carne de porco assada e, aos fins de semana, catchupa feita à lenha. No espaço exterior, junto a esplanada, há sempre uma enorme panela fumegante, por cima com camadas de linguiça a cozer no vapor, um convite irresistível às fotografias instagramáveis de quem passa.

     

    Ao fim da tarde, ainda houve tempo para Ben do Rosário entrar pela primeira vez na "Shark Arena" - o Estádio Nacional, casa dos Tubarões Azuis, que tantas vezes fotografou fora de Cabo Verde. Decorriam jogos de futebol dos escalões de formação, aproveitados pelo Ben para disparar alguns cliques.


    Ben do Rosário, hoje com 67 anos, nasceu nos Espargos, ilha do Sal. Mudou-se ainda pequeno para São Vicente e, aos sete anos, emigrou com a família para Portugal, onde vive até hoje.


    O gosto pela fotografia surgiu aos 15 anos. Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa, onde se formou em cinema e fotografia, nos tempos da fotografia analógica. Profissionalmente, foi professor de trabalhos manuais e educação visual no ensino preparatório. Licenciou-se em Estudos Portugueses e Ingleses, fez pós-graduação em Pedagogia e passou a lecionar Português e Inglês no ensino secundário. Mais tarde, fez pós-graduação em Relações Interculturais, trabalhou na área de recursos humanos, no setor bancário em Portugal e também no Banco Central Europeu, na Alemanha, fazendo um novo pós-graduação em Gestão de Talentos. Sempre com a máquina fotográfica por perto.


    Agora, reformado, dedica-se “200%” à fotografia (como diz, entre risos). Define-se como fotógrafo retratista e, ao longo do tempo, aperfeiçoou a arte da empatia. Mesmo em eventos musicais, prefere os close-ups (planos fechados), focados nas expressões. Diz que 99% das pessoas abordadas aceitam participar no seu projeto fotográfico e oferecem os seus sorrisos com gosto.


    Ben do Rosário já percorreu meio mundo a fotografar sorrisos - África, Ásia, Médio Oriente, Europa, América do Sul. Tem uma ligação forte com as comunidades cabo-verdianas na diáspora e adora documentar os eventos culturais onde elas estão presentes. Acompanhou a Seleção Nacional de Futebol de Cabo Verde nas Copas Africanas das Nações, nos Camarões e na Côte d’Ivoire. E, embora estivesse nos estádios, diz o que mais o fascinava não era o jogo em si, mas o espetáculo das bancadas - as pessoas a cantar, a dançar, a viver.


    Ben também é autor do projeto “Cabo Verde Toca e Canta”, que reúne um portefólio expressivo de músicos cabo-verdianos e seus descendentes. O projeto nasceu em 2018, durante o processo de candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade. A exposição estreou em Marselha, França, e passou por Paris, Roterdão, Luxemburgo, Lisboa, Almada e Mindelo. Este ano, Ben quer levá-la também à ilha do Sal e à cidade da Praia.


    Sobre os sorrisos que já captou? Milhares. De figuras públicas, como o Presidente da República José Maria Neves e o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva, e sobretudo rostos anónimos. Fez, ainda, apenas uma exposição com esses retratos de sorrisos, foi no Alentejo.


    Ben do Rosário segue assim, a semear e colher sorrisos, com a alma leve de quem faz da arte um ofício e da ternura uma missão.

     

    Ben do Rosário nas Redes Sociais:

    www.instagram.com/bendorosario/

    www.facebook.com/bdrfotos

     


     

     

    Décio Barros