Crônica Décio Barros.
Há dias, no Tarrafal de Santiago, saboreei um prato de garoupa frita com molho de tomate e cebola. Foi o suficiente para me transportar no tempo, para os piqueniques em família da minha infância. Lembrei-me do "Peixe à Escabeche" que a minha mãe preparava, sempre com garoupa, para esses dias especiais.
Inspirado por essas memórias, decidi fazer uma pequena caminhada, numa quinta-feira de manhã, até a praia de Portinho, em Achada Grande Trás, a cerca de 3 km do Plateau, o coração da cidade da Praia. Curiosamente, no dia em que fiz a caminhada, há uma semana, encontrei uma família a fazer um piquenique no Portinho. Era um casal com três filhos menores. Passei largos minutos a conversar com o patriarca da família, que, tal como eu, costumava vir para aqui com os seus familiares.
Hoje, a paisagem de Portinho está diferente. Há uma estrada que leva à praia e um prédio junto ao mar. Esse pedaço de costa guarda um detalhe "tecnológico": é ali o ponto de ligação do EllaLink, um dos cabos submarinos de Internet que conecta Europa ao Brasil, passando por Cabo Verde, um projeto de 185 milhões de dólares. Nos últimos anos, a praia de Portinho é apadrinhada pelo Comité Olímpico Cabo-verdiano, promovendo campanha de limpeza, de forma regular.
A praia mantém a sua beleza, embora com uma menor extensão de areia e menos vegetação na ribeira. Aos fins de semana, especialmente nos dias mais quentes, continua a ser palco de piqueniques dos habitantes da cidade da Praia.
Mas voltemos aos piqueniques da minha infância. Tinha entre 8 e 12 anos, e Portinho era um dos destinos preferidos da família. Saíamos cedo do Bairro Craveiro Lopes, a pé, rumo à praia. A distância de cerca de 4 km (claro, numa linha reta) parecia interminável, especialmente para uma criança. Cruzávamos terrenos áridos e, em dias quentes, o chão criava miragens que faziam o percurso parecer ainda mais longo.
A recompensa, porém, fazia tudo valer a pena: a praia de Portinho, com seu mar azul cristalino, areia branca e a sombra generosa dos coqueiros. Era ali que a magia acontecia. Lembro-me bem do arroz com garoupa frita no molho de tomate e cebola, que minha mãe preparava com tanto carinho na véspera. Ela acreditava que o segredo do sabor estava no tempo de descanso do prato no frigorífico, protegido por toalhas de mesa.
A nossa caravana familiar era composta por 8 a 10 pessoas – meus pais, irmãos, sobrinhos e primas. O percurso incluía uma travessia pela Fazenda, subindo por Lém Ferreira até Achada Grande Frente, numa época em que a zona ainda não tinha a indústria que hoje domina o cenário, havia poucas habitações lá ao fundo com vista para a baía da Gamboa. Era uma paisagem árida e extensa, com o sol criando ilusões de água no horizonte.
Chegar ao Portinho era como descobrir um pequeno paraíso. Lá de cima, a vista era de tirar o fôlego: o mar azul-turquesa, a enseada protegida por rochedos e a vegetação que se estendia pela ribeira adentro, sobretudo coqueiros. Hoje sobram menos de um dezena. A descida até à praia era um desafio, por um caminho estreito e acidentado, mas o esforço era sempre recompensado.
Um dos melhores momentos do piquenique, era a hora de saborear a refeição preparada pela minha mãe, que até hoje guardo o sabor. A garoupa, apreciada com prazer, era incrivelmente saborosa. Sentávamos debaixo das árvores ou numa extensa cavidade que havia num dos lados dos rochedos que ladeia a praia.
Antes e depois do almoço, era o momento de jogar à bola, brincar na água do mar até os dedos enrugarem e aproveitar ao máximo aquele dia.
No regresso, a caminhada de volta para casa sempre parecia mais curta, talvez pela alegria e cansaço misturados, sinceramente pouco lembro do regresso à casa. São memórias que guardo com carinho, de tempos que já não voltam, mas que continuam vivos dentro de mim. Bons tempos!