LogoAgenda Cultural Cabo Verde
    ok

    Sem limites, com riso. Carlos Andrade e o espelho do ser cabo-verdiano

    21 de dezembro de 2025

    Na noite de sábado, 20 de dezembro, o Auditório Nacional, na cidade da Praia, encheu-se para receber Carlos Andrade e o seu mais recente espetáculo de Stand-Up Comedy, "Berdianos ka Konxi Limiti" ["Os cabo-verdianos não conhecem limite"  tradução livre para o português]. Quatro dias antes, o aviso já circulava: casa cheia, sold out. E o que se seguiu confirmou a expectativa.

     

    Mais do que um espetáculo de humor, o que Carlos Andrade levou ao palco foi uma espécie de viagem etnográfica pelo quotidiano cabo-verdiano, pelas relações familiares, pelo linguajar tão próprio, pelas pequenas manias que atravessam ilhas e oceanos, unindo quem vive no arquipélago e quem está na diáspora. Uma matéria-prima que o humorista conhece bem. Nascido em Calheta, no interior de Santiago, crescido na cidade da Praia e emigrado para Portugal ainda adolescente, Carlos carrega no corpo e na memória o mundo rural, o urbano e o da emigração. Observador atento, juntou inteligência e talento numa atuação madura e segura.

     

    O espetáculo, gravado para futura divulgação em plataformas digitais, teve também bastidores marcados por expectativa. Entrámos na sala do espetáculo ainda com o tempo a sobrar, uma hora antes da abertura das portas ao público. Escolhemos um lugar no centro, na segunda fila. No Auditório Nacional, com capacidade para cerca de 400 pessoas, a primeira fila costuma ter destino certo: os patrocinadores. Além disso, em stand-up comedy, sentar-se na linha da frente é quase um convite ao improviso dos humoristas. A luz do palco denuncia rostos, e o olhar do humorista acaba sempre por encontrar alguém ali. Até hoje, não há memória de uma primeira fila que tenha saído ilesa.

     

    Enquanto aguardávamos, era visível a inquietação nos bastidores. A produção e o próprio Carlos Andrade moviam-se com a atenção redobrada de quem quer que tudo esteja à altura do momento. Um espetáculo infantil, realizado anteriormente no mesmo espaço, atrasara o início do show "Berdianos ka Konxi Limiti" em mais de uma hora e meia, e a logística exigia ajustes de última hora. Havia preocupação, sim, mas apenas com o tempo e a técnica. Quanto ao conteúdo, não restavam dúvidas: vinha aí mais um grande espetáculo de um humorista com muitos anos de estrada, em Cabo Verde e na diáspora, e cujo público nasceu, em grande parte, nas redes sociais, onde o riso se espalhou antes de ganhar corpo no palco.

     

    Ainda assim, quando as portas se abriram, quase duas horas depois do previsto, o público entrou de sorriso pronto, sem pressas nem reclamações, talvez já embalado pelo espírito do que estava por vir.
     

    Neste show "Berdianos ka Konxi Limiti", o humorista Carlos Andrade desenhou um guião genial assente no que é genuíno: histórias do dia a dia, episódios vividos ou testemunhados, situações que arrancam gargalhadas precisamente por serem reconhecíveis. Durante cerca de uma hora e meia, esteve sozinho em palco, confortável, confiante, em clara sintonia com o público. As risadas foram constantes, os aplausos frequentes, por vezes tão espontâneos que surgiam em cadência, três vezes seguidas, como quem não quer deixar a piada terminar.

     

    A entrada de Carlos Andrade foi recebida com uma ovação em pé. No inicio houve uma breve interrupção técnica, troca de microfone, e nova entrada, novamente exaltada com igual entusiasmo. A partir daí, foi uma sucessão de criatividade, improviso e forte conexão com a plateia. No final, num momento mais íntimo, o humorista chamou ao palco a esposa, o filho récem nascida, e, após alguma insistência carinhosa, a mãe, figura recorrente e inspiradora dos seus sketches, tímida no palco, mas, segundo o próprio, "terrível" lá em casa enquanto educadora.

     

    A noite contou ainda com abertura musical de Rony Cirilo e breves atuações dos humoristas Iven Cidário, Alexandre Barbosa e Enrique Alhinho, companheiros de estrada, antes de Carlos Andrade assumir o centro do palco.

     

    "Berdianos ka Konxi Limiti" confirmou, assim, não apenas o talento de Carlos Andrade, mas também a força de um humor que se reconhece no espelho do quotidiano cabo-verdiano, rindo de si próprio, sem limites.

     

     

    Décio Barros
     

    ok
    ok
    ok
    ok
    ok
    Carlos Andrade e a mãe
    ok
    ok
    ok
    ok